12.11.16

NOTA DE REPÚDIO



         NOTA DE REPÚDIO



A ACRIERGS (Associação dos Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul) não poderia silenciar diante dos lamentáveis episódios que decretam a absoluta falência do sistema prisional gaúcho. Não é novidade a gravidade da questão prisional do Estado do Rio Grande do Sul. Tanto que este debate vem sendo pauta de diversas entidades que procuraram, sem êxito, soluções para o problema. A superlotação do Presídio Central de Porto Alegre é o ponto de partida para o caos atual. Várias são as decisões do Tribunal de Justiça do RS que abordam essa temática - e vão desde a exigência de medidas efetivas, até a própria interdição do PCPA. No plano internacional, o Sistema Interamericano foi devidamente provocado e respondeu indicando uma possível condenação do Estado brasileiro em razão do descaso com a questão prisional.

Em 2013, como todos sabem, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) solicitou fossem tomadas medidas em caráter de urgência para que o Estado salvaguardasse a vida e a segurança dos internos do Presídio Central de Porto Alegre. A ineficiência e o descaso, mesmo diante dessa pressão internacional, provocou uma situação ainda mais grave do que aquela considerada extrema. Se, naquele momento, o problema era o da superlotação, com todas as suas correlações, hoje a situação é limite. As condições impostas aos presos são práticas análogas às de tortura (como o corte total de alimentação e impossibilidade de uso de banheiro).   

  O atual estado de coisas mostra uma realidade muito pior do que a de três anos atrás. Com base neste agravamento, e, em especial, nas propostas apresentadas como soluções, é possível, sem maiores esforços, prever um quadro caótico e de ruptura total com o Estado Democrático, Constitucional, Social e de Direito. Isto porque o cenário de hoje mostra presos detidos em viaturas, algemados em lixeiras, sem água e sem alimentação. Há até mesmo quem defenda a ideia do armazenamento de detidos em containers e até em navios... 

Não é preciso dizer que, concretizados esses abusos – muitos do quais já acontecendo -, e estaremos diante de mais um grave retrocesso em matéria de conquistas sociais civilizatórias históricas. E é sempre importante ter-se em vista que a humanidade já passou por experiências de isolamento desse tipo, cujas memórias individuais e coletivas são as piores possíveis. No plano jurídico, são incontáveis as afrontas a padrões mínimos de dignidade. Como se não bastasse, esse tratamento desumano emprestado aos presos é legitimado por discursos midiáticos e sociais. Tais “justificativas”, claramente infestadas de conteúdos odiosos e desviantes, dentre outros males, retiram do foco os verdadeiros responsáveis pela crise vivenciada na Segurança Pública.

É importante lembrar que o Brasil, durante o processo de redemocratização, assumiu todos os principais compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos. Aderindo a eles, consolidou a intenção de desempenhar papel de protagonista no Hemisfério Sul no cumprimento dessas diretrizes. Na prática, estamos na contramão disso. Num movimento reacionário, buscamos resolver o problema da violência com mais violência, como se já não se soubesse que é a sociedade mesma a principal vítima do aumento da criminalidade - e que é o próprio sistema prisional o maior reprodutor de tal situação.

É do Poder Público o dever de enfrentar essa questão, de forma séria, de acordo com a Constituição Federal, com a Lei de Execuções Penais e com os padrões internacionais. Evidentemente, existem outras possibilidades de soluções para os atuais problemas. Basta vontade política. 

Nesse contexto, a ACRIERGS expressa o seu total repúdio ao descaso e às medidas tomadas e cogitadas pelo Governo estadual. De acordo com as diretrizes do nosso Estatuto e no estrito cumprimento do nosso papel social, exigimos que o Governo do Estado do Rio Grande do Sul articule políticas públicas de urgência (como, por exemplo, a aceleração de triagem nas Varas de Execuções Penais e a construção de novas unidades prisionais, sem prejuízo de outras que solucionem o déficit prisional). 

A ACRIERGS reforça o seu compromisso de fiscalizar e cooperar na busca de respostas que resolvam de vez a questão, como sendo mais uma das entidades que têm como vocação e defesa intransigente da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito.

 

César Peres

Presidente da ACRIERGS – Associação dos Criminalistas do RGS

 


Fonte: ACRIERGS